Filosofia Antiga Prof Mauro de Souza
1. A Filosofia Grega
A
palavra filosofia é composta de filo (amizade) e sofia (sabedoria). Para Chaui
(2002, p.15) Philosophía: amizade
pela sabedoria, amor ao saber. Pitágoras de Samos teria dito ser a sabedoria
plena privilégio dos deuses, cabendo aos homens apenas desejá-la, amá-la, ser
seus amantes ou seus amigos, isto é, filósofos
(sophós, sábio). Na verdade, a
palavra sophía carrega uma
ambivalência que se tornará bastante perceptível no decorrer da história da philosophía, pois tanto pode significar
o saber, entendido como conjunto sistemático e racional de conhecimentos sobre
o mundo e os homens (e sophós é
aquele que conhece verdadeiramente a realidade), como pode significar
sabedoria, entendida como disposição humana para uma vida virtuosa e feliz (sophós é aquele que sabe bem conduzir
sua vida ou praticar o bem).
Quanto a data do
nascimento da filosofia, é possível afirmar que foi no fim do século VII a.C. e
início do século VI a.C., já a localização geográfica são as colônias gregas
que ficavam às margens do mar Egeu, precisamente na Ásia Menor, na região
conhecida como Jônia. Desde Aristóteles, todos são unanimes em afirmar que
Tales, da cidade de Mileto (atualmente região da Turquia) foi o primeiro
filósofo.
A filosofia
grega é dividida em quatro grandes períodos, segundo Chauí (2010, p.40) são:
1. Período pré-socrático ou cosmológico, do fim do século VII a.C.
ao fim do século V a.C., quando a filosofia se ocupa fundamentalmente com a origem do mundo e as causas das
transformações na natureza.
2. Período socrático ou antropológico, do fim do século V a.C.
a todo o século IV a.C., quando a filosofia investiga as questões humanas, isto
é, a ética, a política e as técnicas, e busca compreender qual é o lugar do
homem no mundo.
3. Período sistemático, do fim do século
IV a.C. ao fim do século III a.C., quando a filosofia busca reunir e
sistematizar tudo quanto foi pensando pela cosmologia e pelas investigações
sobre a ação humana na ética, na política e nas técnicas. A filosofia se
interessa em mostrar que tudo pode ser objeto do conhecimento filosófico, desde
que as leis do pensamento e de suas demonstrações estejam firmemente
estabelecidas para oferecer os critérios da verdade e da ciência.
4. Período helenístico ou greco-romano, do fim do século III a.C.
ao século VI d.C. Nesse longo período que abrange a época do domínio mundial de
Roma e do surgimento do cristianismo, a filosofia se ocupa sobretudo com as
questões da ética, do conhecimento humano e das relações entre o homem e a
natureza, e de ambos com Deus.
Os
pré-socráticos são conhecidos como “naturalistas”
ou filósofos da physis, ao menos na primeira fase. Esses pensadores podem
ser agrupados em escolas filosóficas com características peculiares. Segundo
Marcondes (1998, p.31):
Escola jônica: caracteriza-se, sobretudo pelo
interesse pela physis, pelas teorias sobre a natureza.
- Tales de
Mileto (floreceu cerca de 585 a.C.) e seus discípulos, Anaximandro (cerca de
610-547 a.C.) e Anaxímenes (cerca de 585-528 a.C.), que formam a assim chama
escola de Mileto.
- Xenófones de
Colofon (cerca de 580-480 a.C.)
- Heráclito de Éfeso (floresceu cerca de 500
a.C.)
Escola italiana: caracteriza-se por uma visão de
mundo mais abstrata, menos voltada pra uma explicação naturalista da realidade,
prenunciando em certo sentido o surgimento da lógica e da metafísica, sobretudo
no que diz respeito aos eleatas.
- Pitágoras de
Samos (floresceu cerca 530 a.C), Alcmeon de Crotona (floresceu no início do
séc. V a.C), Filolau de Crotona (floresceu no final do séc. V a.C) e a escola
pitagórica.
- Parmênides de
Eléia (floresceu cerca de 500 a.C.), e a escola eleática: Zenão de Eléia
(floresceu cerca de 464 a.C.) e Melisso de Samos (floresceu cerca de 444 a.C).
Temos uma segunda fase do pensamento
pré-socrático, denominado por vezes de Escola
pluralista, que inclui os seguintes filósofos:
- Anaxágoras de
Clazômena (cerca de 500-428 a.C)
- Escola
Tomista: Leucipo de Abdera e Demócrito de Abdera (cerca de 460-370 a.C.)
- Empédocles de
Agrigento (cerca de 450 a.C.)
2. Sócrates e os Sofistas
SOFISTAS: Para Reale
(1990, p.73), ”sofista” é um termo que significa “sábio”, “especialista do
saber”. A acepção do termo, que em si mesma é positiva, tornou-se, porém,
negativa sobretudo pela tomada de posição fortemente polêmica de Platão e
Aristóteles.
Uma
grande contribuição dos filósofos sofistas foi o “deslocamento do eixo da
reflexão filosófica da physis e do
cosmos para o homem e aquilo que concerne a vida do homem como membro de uma
sociedade. É compreensível, portanto, que a sofística tenha feito de seus temas
predominantes a ética, a política, a retórica, a arte, a língua, a religião e a
educação, ou seja, o que hoje chamamos a cultura do homem. Assim, é exato
afirmar que, com os sofistas, inicia-se o período humanista da filosofia antiga (REALE, 1990, p.73-74).
O
contexto da disputa filosófica entre Sócrates e os Sofistas, remonta a Grécia
da transição das oligarquias para a democracia. Como afirma Marcondes (1998,
p.41): a democracia representa exatamente a possibilidade de se resolverem,
através do entendimento mútuo, e de leis iguais para todos, as diferenças e
divergências existentes nessa sociedade em nome de um interesse comum. As
deliberações serão tomadas, assim, em reuniões de cidadãos, as assembleias.
Isso significa que as decisões são tomadas por consenso, o que acarreta
persuadir, convencer, justificar, explicar.
Os
sofistas surgem exatamente nesse momento de passagem da tirania e da oligarquia
para a democracia. São mestres da retórica e oratória, muitas vezes mestres
itinerantes, que percorrem as cidades-estados fornecendo seus ensinamentos, sua
técnica, suas habilidades aos governantes e aos políticos em geral. Embora sem
formar uma escola ou grupo homogêneo, o que os caracteriza é muito mais uma
prática ou uma atitude comuns do que uma doutrina única. Há portanto uma paideia, um ensinamento, uma formação
pela qual os sofistas foram responsáveis, consistindo basicamente numa
determinada forma de preparação do cidadão para a participação na vida política
(MARCONDES, 1998, p.42).
Os
principias e mais conhecidos sofistas foram Protágoras e Abdera (cerca de
490-421 a.C.), Górgias de Leontinos (cerca de 487-380 a.C), Hípias e Élis,
Licofron, Pródico, queu teria sido inclusive mestre de Sócrates, e Trasímaco,
embora tenham existido muitos outros do quais conhecemos pouco mais do que os
nomes.
O
principal e mais conhecido de Protágoras é o início de sua obra sobre a
verdade, quando afirma: “O homem é a medida de todas as coisas, das que são
como são e das que não são como não são.” Esse fragmento de certa forma
sintetiza duas das ideias centrais associados aos sofistas, o humanismo e o relativismo. Protágoras parece assim valorizar um tipo de
explicação do real a partir de seus aspectos fenomenais apenas, sem apelo a
nenhum elemento externo ou transcendente (MARCONDES, 1998, p.43).
SÓCRATES - nasceu em Atenas em 470/469 a.C. e morreu em
399 a.C. em virtude de uma condenação por “impiedade”. Para Marcondes (1998,
p.45) em 399 a.C. Sócrates é acusado de graves crimes por alguns cidadãos
atenienses. Este pedem sua condenação à morte por desrespeito às tradições
religiosas da cidade e por corrupção da juventude. A motivação da acusação é
claramente política: contra as críticas feitas por Sócrates ao que ele
considerava um desvirtuamento da democracia ateniense.
Com
o pensamento socrático tem-se a descoberta da essência do homem, ou seja, o
homem é a sua psyché. Com Sócrates o
objeto de estudo da filosofia opera uma reviravolta, isso porque, os
naturalistas procuraram responder à seguinte questão: “o que é a natureza ou a
realidade última das coisas?[physis]”
Sócrates, porém, procura responder à questão: “O que é a natureza ou a
realidade última do homem?”, ou seja, “o que é a essência do homem?”[psyché]. Finalmente, a resposta é
precisa e inequívoca: o homem é a sua
alma, enquanto é precisamente a sua alma que o distingue especificamente de
qualquer outra coisa. E por “alma” Sócrates entende a nossa razão e a sede de
nossa atividade pensante e eticamente operante. Em breve: para Sócrates, a alma
é o seu consciente, ou seja, a
consciência e a personalidade intelectual e moral (REALE, 1990, p.87).
Na
ética socrática a virtude é fazer o bem e isso só é possível através da
sabedoria; o mal é fruto da ignorância. Para Sócrates, como para quase todos os
filósofos gregos, o pecado se reduz a “erro de cálculo”, a “erro da razão”,
precisamente à “ignorância” do verdadeiro bem (REALE, 1990, p.90).
Considerado
pelo oráculo de Delfos como o homem
mais sábio do seu tempo, Sócrates
duvidou dessa “revelação” iniciou o seu percurso de busca por respostas
e uma das frases mais celebre de Sócrates é “eu sei que nada sei”. Com isso,
ele interpelava os seus interlocutores que se diziam sábios aos seus próprios olhos
com o seu método dialético (ironia, refutação e maiêutica). A ironia significa simulação, é uma
espécie de brincadeira. Como afirma Reale (1990, p.98) note-se que, às vezes,
em suas simulações irônicas, Sócrates fingia até mesmo acolher como próprios os
métodos do interlocutor, especialmente quando era homem de cultura,
particularmente, filósofo, e brincava de engrandecê-lo até o limite da
caricatura, para derrubá-lo com a mesma lógica que lhes era própria e
amarrá-los na contradição. A “refutação”
(élenchos), em certo sentido,
constituía a pars destruens do método
em que Sócrates levava o interlocutor a reconhecer a sua própria ignorância. E
finalmente, a maiêutica, que é a arte de parturiar o conhecimento. Da mesma
forma que a mulher que está grávida no corpo tem necessidade da parteira para
dar à luz, também o discípulo que tem a alma grávida de verdade tem necessidade
de uma espécie de arte obstétrica espiritual que ajude essa verdade a vir à luz
– e nisso consiste exatamente a “maiêutica” socrática (REALE, 1990, p.99).
3. Platão
Platão
nasceu em Atenas em 428/427 a.C. seu verdadeiro nome era Aristócles. Platão é
apelido que derivou, como referem alguns, de seu vigor físico ou, como contam
outros, da amplitude de seu estilo ou ainda da extensão de sua testa (em grego,
platôs significa precisamente “amplitude”, “largueza”, “extensão”) (REALE,
1990, p.125).
Segundo
Platão existe o mundo sensível e o mundo supra-sensível ou inteligível. Para
Reale (1990, p.144) o mundo inteligível situa-se na dimensão do eterno, que se
configura como um “é” imóvel, sem o “era” e sem o “será”. Já o mundo sensível,
ao contrário, coloca-se na dimensão do tempo. E o que é o tempo? A resposta de
Platão consiste em conceber o tempo como “a imagem móvel do eterno”, como uma
espécie de desenvolvimento do “é” através do “era” e do “será”. E esse
desenvolvimento implica estruturalmente geração e movimento. O tempo, por
conseguinte, nasceu “justamente com o céu”, ou seja, com a geração do cosmos.
Isso significa que “antes” da geração do mundo não existia tempo, tendo ele
começado com o mundo. Uma questão filosófica: “o que Deus fazia antes de criar o mundo e o tempo?”.
Quanto
à sua concepção de homem, Platão postula a dualidade entre corpo (=sensível) e
alma (supra-sensível). O corpo é entendido como “tumba”, como “cárcere” da
alma, como lugar para o cumprimento de suas
penas.
Considerando
que possuímos um corpo, estamos “mortos”, porque somos fundamentalmente nossa
alma; e a alma, enquanto se encontra num corpo, acha-se numa tumba; e com isso,
encontra-se em situação de morte. Nosso morrer (com o corpo) é viver, porque,
morrendo o corpo, a alma se liberta do cárcere. O corpo é raiz de todo mal,
fonte de amores insensatos, de paixões, inimizades, discórdias, ignorância e
loucura. E tudo isso representa precisamente fatores de morte para a alma. Essa
concepção negativa do corpo sofre certas atenuações nas últimas obras de
Platão, embora nunca desapareça definitivamente (REALE, 1990, p.154).
Na
metafísica de Sócrates a alma é mortal, sendo que os prêmios de uma vida sábia
produz frutos de virtude, e uma vida de ignorância produz vícios e castigos
nessa existência. Contrariando esse pressuposto, Platão afirma na sua obra Fédon que a alma é imortal. Como pontua
Reale (1990, p.156): a alma humana, sustenta Platão que é capaz de conhecer
coisas imutáveis e eternas. Ora, para poder conhecer tais coisas, ela deve
possuir, como conditio sine qua non,
uma natureza dotada de afinidade com essas coisas. Caso contrário, estas
ultrapassam as capacidades de alma. Consequentemente, como as coisas que a alma
conhece são imutáveis e eternas, a alma também precisa ser eterna e imutável.
4. Aristóteles
Aristóteles,
discípulo de Platão, nasceu em 384/383 a.C. em Estagira, na fronteira da
Macedônia. Foi o pedagogo de Alexandre, que ficou conhecido na história como
Alexandre, O grande. Uma das ideias principais da filosofia aristotélica é questão
da metafísica. O que é metafísica? É
sabido que o termo “metafísica” (= o que está além da física) não é um termo
aristotélico (talvez tenha sido cunhado pelos peripatéticos, se não houver
nascido por ocasião da edição das obras de Aristóteles realizadas por Andrônico
de Rodes no século I a.C.). As mais das vezes, Aristóteles usava a expressão
“filosofia primeira” ou ainda “teologia”, em oposição à “filosofia segunda” ou
“física”. Entretanto, o termo “metafísica” foi sentido como mais significativo
pela posteridade, tornando-se o preferido. Com efeito, a “filosofia primeira” é
precisamente a ciência que se ocupa das
realidades-que-estão-acima-das-realidades-físicas. E, nas pegadas da visão
aristotélica, definitiva e constantemente, toda tentativa do pensamento
humano no sentido de ultrapassar o mundo
empírico para alcançar uma realidade metaempírica passou a ser denominada de
“metafísica” (REALE, 1990, p.179).
Definição: são quatro as
definições que Aristóteles deu da metafísica:
a)
a
metafísica “indaga as causas e os princípios primeiros e supremos”;
b)
“indaga
o ser enquanto ser”
c)
“indaga
a substância”;
d)
“indaga
Deus e a substância supra-sensível”.
Com efeito, quem
busca as causas e os princípios primeiros necessariamente deve encontrar Deus,
porque Deus é a causa e o princípio por excelência (portanto, faz teologia).
Mas também partindo de outras definições chega-se a idênticas conclusões:
perguntar-se o que é o ser significa perguntar-se se existe apenas um ser sensível ou também um
ser supra-sensível e divino (ser teológico). Da mesma forma, a questão “o que é
a substância” implica também a questão “que tipos de substâncias existem”, se
só as sensíveis ou também as supra-sensíveis e divinas (o que é um problema teológico).(REALE; ANTISERI, São
Paulo: Paulus, 2003 p.195-196).
O OBJETO: é inegável que o objeto da Metafísica seja
o “ser”, ou melhor, o ente enquanto ente. Pois uma coisa é conhecer o mundo de
entes sabendo vagamente que eles são alguma coisa; outra coisa é fixar a
atenção sobre a realidade do ser, considerado não sob a aparência desta ou
daquela forma; mas simplesmente o fato de que isso é alguma coisa, um “ens”,
com intuito de identificar as suas propriedades, a sua razão fundante.
Valor: Mas para que “serve metafísica?” Como
afirma Márcio Bolda (1994, p.29) “A metafísica é, em certo sentido, a ciência
mais inútil, porque não comporta diretamente nenhuma conclusão prática
original. Ela é o tipo de conhecimento puramente especulativo. (...) Pensar
metafisicamente é pensar, sem arbitrariedade nem dogmatismo, nos mais básicos
problemas da existência. Os problemas são básicos no sentido de que são
fundamentais, de que muita coisa depende deles, por exemplo, a religião, a
moral, a lógica”. Diferente das outras ciências que possuem uma finalidade
prática, a metafísica é ciência que vale em si e por si mesma, pois tem em si
mesma seu escopo e, nesse sentido, é ciência “livre” por excelência. Dizer isso
significa que a metafísica não responde a necessidades materiais, mas sim
espirituais, ou seja, àquela necessidade que nasce quando as necessidades
físicas estão satisfeitas: a pura necessidade de saber e conhecer o verdadeiro,
a necessidade radical de responder aos “porquês”, especialmente ao “porquê
último”.
É por isso que
Aristóteles escreve: “todas as outras ciências podem ser mais necessárias ao
homem, mas superior a esta nenhuma”. (REALE; ANTISERI, São Paulo: Paulus, 2003,
p.196).
5.A filosofia helenista
A
religião cristã, embora originária do judaísmo, surge e se desenvolve no
contexto do helenismo, e é precisamente da síntese entre o judaísmo, o
cristianismo e a cultura grega que se origina a tradição cultural ocidental de
que somos herdeiros até hoje (Danilo Marcondes, dos pré-socráticos....1998,
p.105).
É
significativo, portanto, que seja em Alexandria no séc. I a.C que encontramos
as primeiras iniciativas nessa direção. Nesse período Alexandria é uma cidade
cosmopolita, onde convivem várias culturas; a cultura egípcia característica da
região, a cultura grega dos fundadores da cidade, a cultura romana do que
haviam recentemente conquistado o Egito e a cultura judaica da grande
comunidade de judeus que lá viviam. Em Alexandria essas culturas convivem e se
integram, há grande tolerância religiosa, inclusive um espírito de sincretismo
típico da cultura greco-romana, e se falam várias línguas. A comunidade
judaica, próspera e educada, fala fluentemente o grego. A Septuaginta, tradução do hebraico para o grego do Pentateuco (os “livros da lei”, os cinco
livros iniciais do Antigo Testamento)
havia sido feita em Alexandria na época de Ptolomeu II Filadelfo (séc III a.C).
(Danilo Marcondes. Dos pré-socráticos..., 1998, p.105).
O
primeiro representante significativo dessa tradição que se inicia é Fílon de
Alexandria, também conhecido como Fílon, o Judeu ( 25 a.C. – 50 d.C), um judeu
helenizado que viveu em Alexandria nesse período e produziu uma série de
comentários ao Pentateuco,
aproximando-o da filosofia grega, principalmente do platonismo, e levantando
inclusive a hipótese da influência do Antigo
Testamento e da tradição mosaica na filosofia grega, do que, no entanto,
não temos nenhuma comprovação histórica. Encontramos em Fílon uma aproximação
entre a cosmologia platônica no Timeu
e a narrativa da criação do mundo no
Gênesis.
Podemos
considerar que Fílon, embora sem ser cristão, abre o caminho para a síntese
entre cristianismo e filosofia grega, que ocorre ao longo dos três primeiros
séculos da religião cristã. Inicialmente o cristianismo não se distinguia
claramente do judaísmo, sendo visto como uma seita ou um movimento renovador ou
reformista dentro da religião e da cultura judaicas.
Fílon
retoma o conceito grego de logos, interpretando-o com um princípio divino a
partir do qual Deus opera no mundo. Essa visão influenciará fortemente o
desenvolvimento da filosofia cristã e se encontra na abertura do quarto
evangelho (de João), escrito ao final do séc. I em Éfeso, em que se lê: “No
princípio era o Verbo (logos)” (1.1).
O
primeiro marco da constituição do cristianismo como religião independente e
dotada de identidade própria é a
pregação de Paulo, um judeu helenizado, funcionário do Império Romano, que se
converte e passa a pregar e difundir a religião cristã em viagens por alguns
dos principais centros do Império Romano. É em Paulo que encontramos a
concepção de uma religião universal, não só a religião de um povo, mas de todo
o Império, de todo o mundo conhecido. Nos Atos
dos apóstolos (15,1-34) é narrado o episódio do confronto do Concílio de
Jerusalém entre alguns fariseus convertidos ao cristianismo e Paulo, Barnabé e
Pedro.
Características: com o domínio
de Alexandre Magno tem-se a passagem do público ao privado. No plano político,
a antiga liberdade do cidadão grego, exercida no contexto de autonomia de suas
cidades, foi desfigurada pelo domínio macedônio, ocorrendo um declínio da
participação do cidadão nos destinos da polis. Com isso, a reflexão política se
enfraqueceu.
Substitui-se,
assim, a vida pública pela vida privada
como centro de reflexões filosóficas. Em outras palavras, as preocupações
coletivas cedem lugar às preocupações pessoais.
As principais correntes filosóficas desse período vão tratar da intimidade, da vida interior do ser humano. Formulam-se, então, diversos modelos
de conduta, “artes de viver”, “filosofias de vida”. Parece que a principal
preocupação dos filósofos era proporcionar às pessoas desorientadas e inseguras
com a vida social alguma forma de paz de espírito, de felicidade interior em
meio às atribulações da época (COTRIM; FERNANDES, 2010, P.196).
Conceito de Helenismo: Para alguns, a
palavra “helenística” deriva de helenismo, termo que corresponde ao período que
vai de Alexandre Magno, o macedônico, até o da dominação romana (fim do séc. IV
a. C. ao fim do séc. I d.C.). Alexandre foi o grande responsável por estender a
influência grega desde o Egito até a Índia.
A Civilização helenística é
muito mais do que um período de transição entre a Grécia Clássica de Alexandre
e César de Roma. Este é o fim de uma história preenchida com a luz do saber grego. É o crepúsculo da Grécia
antiga. Para a filosofia, contudo, o helenismo marcou o surgimento de um novo
período: a filosofia helenística
(cujo início é tradicionalmente associado à morte de Alexandre, em 323 a.C.,
prolongando-se até o surgimento de Plotino,
no século III
da nossa era). È Nesse contexto que se dá o encontro entre o mundo greco-romano
e a cultura judaico-cristã (MARCONDES, 1998, p.87).
Segundo
Marcondes (1998, p.84) termo “helenismo” é derivado do historiador alemão
J.G.Droysen, Hellenismus (1836-43), e
designa a influência da cultura grega em toda a região do Mediterrâneo oriental
e do Oriente Próximo desde as conquistas de Alexandre (332 a.C.) – do
estabelecimento de seu império e dos reinos criados após a sua morte (323 a.C)
por seus sucessores (sobretudo Ptolomeu no Egito e Seleuco na Síria e
Mesopotâmia) – até a conquista romana do Egito em 30 a.C., que passa a marcar a
influência de Roma nessa mesma região. O império de Alexandre significou a
primeira grande tentativa de criação efetiva de uma hegemonia não só militar,
mas cultural e linguística. A língua grega se torna a “língua comum” (koiné) de toda região conquistada por
Alexandre, assim como a moeda grega passa a ser aceita em todo o império na
primeira experiência importante de unificação econômica. O império teve curta
duração: como Alexandre não deixou descendentes, todo o vasto território
conquistado foi dividido entre seus principais generais, que foram também os
seus sucessores. Apesar disso a influência da cultura grega permaneceu ainda
durante muitos séculos em toda a região da Mesopotâmia ao Egito, passando pela
Ásia Menor, Síria e Palestina.
Do
ponto de vista filosófico, a periodização é talvez menos precisa, podendo ser estendida
do império alexandrino até o início da filosofia medieval com Agostinho (354-430) e Boécio (480-524). Isso
porque a influência da filosofia grega e das escolas filosóficas fundadas no
início do helenismo permaneceu durante o Império Romano. Dois exemplos ilustram
bem isso: o grande filósofo neoplatonismo Plotino (205-270) escreveu em grego,
e a obra de Sexto Empírico (século II), o principal representante do ceticismo,
também escrita em grego. E ambos viveram, pelo menos parte de suas vidas, em
Alexandria. Embora houvesse uma filosofia desenvolvida em Roma e escrita em
latim, ela resultava em grande parte de desdobramentos das escolas filosóficas
gregas, sobretudo o estoicismo e o epicurismo (MARCONDES, 1998, p.84).
Por
outro lado, alguns tomam o surgimento do cristianismo como um marco do fim do
helenismo; porém, a filosofia cristã em seus primeiros séculos, sobretudo o
platonismo cristão da escola de Alexandria, desenvolveu-se tipicamente no
contexto do helenismo. O grande centro político e cultural do helenismo foi a
cidade de Alexandria, fundada por Alexandre (332 a.C.) e a capital do reino
grego estabelecido no Egito por seu general e sucessor Ptolomeu. Alexandria era
uma cidade tipicamente cosmopolita, predominantemente grega, mas ainda com um
forte presença da cultura do Antigo Egito, e contando também com uma importante
e ativa comunidade judaica.
A
célebre biblioteca de Alexandria [conhecida como Museum], que em seu auge chegou a ter mais de 500.000 volumes
(rolos de papiros), foi formada a partir da biblioteca e do acervo de Aristóteles
adquiridos por Ptolomeu Filadelfo. O Museum
– literalmente templo das Musas, divindades que presidem as artes e o saber –
é, no entanto, muito mais do que uma biblioteca, constituindo verdadeiro centro
científico e cultural, de ensino e de pesquisas, contando com templo,
anfiteatro, jardim zoológico, observatório etc. Durante os dois séculos
seguintes, será o principal núcleo da ciência grega em suas áreas mais
importantes, sendo que sua produção científica marcará toda a Antiguidade e o
período medieval até praticamente o início da ciência moderna no século XVI
(MARCONDES, 1998, p. 85).
Como
afirma Marcondes (1998, p.87), a filosofia do helenismo é fortemente marcada
por uma preocupação central com a ética,
entendida em um sentido prático como o estabelecimento de regras do bem viver,
da “arte de viver”. É ilustrativo disso o famoso Manual de Epicteto (50-125), filósofo estóico do período romano.
As principais escolas filosóficas da época
helenística foram: cinismo, epicurismo, estoicismo e ceticismo.
5.1 Diógenes: o cinismo
O cinismo - o termo cinismo vem do grego kynos,
que significa "cão"; cínico,
do grego kynicos, que significa “como
cão”; designa a corrente dos filósofos que se propuseram a viver como os cães
da cidade, sem qualquer propriedade ou conforto (COTRIM; FERNANDES, 2010,
p.197). Levavam ao extremo a filosofia de Sócrates, segundo a qual o homem deve
procurar conhecer a si mesmo e desprezar todos os bens materiais. Por isso
Diógenes, o pensador mais destacado dessa escola, é conhecido como o “Sócrates
demente”, ou o “Sócrates louco”, pois questionava os valores e as tradições
sociais e procurava viver estritamente conforme os princípios que considerava
moralmente corretos.
Para Reale (1990, p.231), o fundador do cinismo do
ponto de vista da doutrina (ou, pelo menos, de suas teses capitais) foi
Antístenes. Mas coube a Diógenes de Sinope (413-327)a ventura de tornar-se o
principal expoente e quase símbolo desse movimento. Diógenes foi contemporâneo
(mais velho) de Alexandre. Um testemunho antigo registra ademais que ele
“morreu em Corinto no mesmo dia em que Alexandre morreu na Babilônia”.
Sobre o contexto histórico em que viveu Diógenes,
Cotrim; Fernandes (2010, p. 197) diz que: vivendo em uma época em que as
conquistas de Alexandre promoveram o helenismo, mesclando culturas e
populações, Diógenes também não tinha apreço pela diferença entre grego e
estrangeiro. Conta-se que, quando lhe perguntaram qual ser sua cidadania teria
respondido: “sou cosmopolita”
(palavra de origem grega que significa “cidadão do mundo”).
O programa de Diógenes se expressa
inteiramente na célebre frase: ‘procuro o homem”, que, como se relata, ele
pronunciava caminhando com a lanterna acessa em pleno dia, nos lugares mais
cheios. Com evidente e provocante ironia, queria significar exatamente o
seguinte: busco o homem que vive segundo sua mais autêntica essência; busco
o homem que, para além de toda
exterioridade, de todas as convenções da sociedade e do próprio capricho da sorte
e da fortuna, sabe reencontrar sua genuína natureza, sabe viver conforme essa
natureza e, assim, sabe ser feliz.
Uma das imagens
mais conhecidas de Diógenes é aquela onde ele se encontra totalmente nu dentro
de um barril, mostrando que, quanto mais se eliminam as necessidades
supérfluas, mais se é livre (REALE, 1990, p.232).
5.2 Epicurismo
Epicuro (341-270 a.C) fundou a sua escola em Atenas
em 306 a.C., reunindo-se com seus discípulos em um jardim, o que fez com que
fosse conhecida na Antiguidade como “Jardim” (Kepos). (MARCONDES, 1998, p.92).
O epicurismo propunha a idéia de que o ser humano deve buscar o prazer da vida.
No entanto, distinguia, entre os prazeres, aqueles que são duradouros e
aqueles que acarretam dores e sofrimentos, pois o prazer estaria vinculado a
uma conduta virtuosa. Para Epicuro, o supremo prazer seria de natureza
intelectual e obtido mediante o domínio das paixões. Os epicuristas procuravam
a ataraxia, termo grego que usavam para designar o estado em que não havia dor,
de quietude, serenidade, imperturbabilidade da alma. O epicurismo,
posteriormente, serviu de base ao hedonismo, filosofia que também defende a
busca do prazer, mas que não diferencia os tipos de prazeres, tal como faz
Epicuro.
Na
filosofia de Epicuro, como afirma Cotrim; Fernandes (2010, p.196), para que
possamos desfrutar os grandes prazeres do intelecto, precisamos aprender a
dominar os prazeres exagerados da paixão, como os medos, os apegos, a cobiça, a
inveja. Por isso, os epicuristas buscavam a ataraxia, isto é, o estado de ausência de dor, quietude, serenidade
e imperturbalidade da alma
5.3 Estoicismo
Quando se
fala em estoicismo, pensa-se logo em
stoá (pórtico ou galeria de
colunas), trata-se de uma referência ao local em que reunia os alunos e
administrava suas aulas o primeiro filósofo dessa corrente, Zenão. Para o
estóico, é feliz aquele que vive de acordo com a ordem cósmica, aceitando e amando o próprio destino nela inscrito. Os representantes desta escola defendiam
uma atitude de completa austeridade física e moral, baseada na resistência do
homem ante os sofrimentos e os males do mundo. Seu ideal de vida, designado
pelo termo grego apathéia (que
costuma ser mal traduzido por "apatia"), era alcançar uma serenidade
diante dos acontecimentos fundada na aceitação da "lei universal do
cosmos", que rege toda a vida.
O estoicismo, fundado a partir das ideias de Zenão de Cício (336-263 a.C.), foi a
corrente filosófica de maior influência no período helenístico. Os
representantes dessa escola, conhecidos como estoicos, defendiam a noção de que toda realidade existente é uma
realidade racional, o que quer dizer que todos os seres, os indivíduos e a
natureza fazem parte dessa realidade racional. O que chamamos Deus, segundo
esses pensadores, nada mais é do que a fonte dos princípios racionais que regem
a realidade[os estoicos chamam Deus de Providência
porque está no controle de tudo e é tudo, Deus é imanente ao mundo e se confunde com o mundo; diferente do Deus
cristão que é transcendente]. Integrado
à natureza, não existe para o ser humano nenhum outro lugar para ir ou fugir,
além do próprio mundo em que vivemos. Somos deste mundo e, ao morrer, nos
dissolvemos neste mundo.
Não
dispomos, portanto, de poderes para alterar, substancialmente, a ordem
universal do mundo, mas pela filosofia, podemos compreendê-la e viver segundo
ela. Assim, em vez do prazer dos epicuristas, Zenão propõe o dever, vinculado à compreensão da ordem
cósmica, como o melhor caminho para a felicidade. É feliz aquele que vive
segundo sua própria natureza, a qual, por sua vez, integra a natureza do
universo. Os estoicos também defendiam uma atitude de austeridade física e
moral, baseada em virtudes como a resistência ante o sofrimento, a coragem ante
o perigo, a indiferença ante as riquezas materiais. O ideal perseguido era um estado de plena serenidade (ataraxia) para lidar com os sobressaltos
da existência, fundado na aceitação e compreensão dos “princípios universais”
que regem toda a vida (COTRIM; FERNANDES, 2010, p.196).
5.4 Ceticismo
Uma
doutrina é cética quando duvida ou nega a possibilidade de conhecermos a
verdade. Muitos consideram o filósofo grego Górgias (485-380 a.C.) o pai do
ceticismo absoluto. Ele defendia as seguintes ideias: o ser não existe; se
existisse, não poderíamos conhecê-lo; e se pudéssemos conhecê-lo, não
poderíamos comunicá-lo aos outros. Outros apontam o filósofo grego Pirro
(365-275 a.C.) como o fundador do ceticismo absoluto. Por isso, chama-se muitas
o ceticismo de pirronismo.
Pirro afirmava ser impossível ao
ser humano conhecer a verdade devido a duas fontes principais de erro:
- os sentidos – dizia o filósofo que nossos conhecimentos são provenientes dos sentidos (visão, audição, olfato, tato e paladar), mas estes não são dignos de confiança, pois podem induzir ao erro;
- a razão - explicava Pirro que as diferentes e contraditórias opiniões manifestadas pelas pessoas sobre os mesmos assuntos revelam os limites de nossa inteligência. Jamais alcançaremos certeza de qualquer coisa (COTRIM; FERNANDES, 2010, p.161).
Como
nenhum conhecimento é seguro, qualquer argumento pode ser contestado e todas a
ideias são incertas, Pirro propunha a suspensão
do juízo (epokhé, em grego), isto
é, a abstenção de fazer qualquer julgamento, já que a busca de uma verdade
plena é inútil. Desse modo, aceitando que das coisas se podem conhecer apenas
as aparências e desfrutando o imediato captado pelos sentidos, as pessoas
viveriam felizes e em paz (COTRIM, FERNANDES, 2010, p.196).
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