FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA PROF MAURO DE SOUZA
FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA
PARTE 1
1. Contexto
O
início da idade contemporânea foi caracterizado por mudanças sociais, políticas
e econômicas que tiveram repercussão no pensamento filosófico. Segundo Cotrim;
Fernandes (2010) de acordo com a periodização tradicional, considera-se a Revolução Francesa (1789-1799) o marco
inicial da época contemporânea. Houve um grande avanço da Revolução Industrial
e do capitalismo na Europa ocidental e em diversas regiões do planeta, com
muitas inovações tecnológicas e a substituição progressiva das oficinas dos
artesãos pelas fábricas. Isso trouxe novas formas de exploração do trabalho
humano e a oposição entre duas classes, a burguesia empresarial e os
trabalhadores assalariados. Nesse quadro, e na esteira da Revolução Francesa,
surgiram novos anseios das populações trabalhadoras, o que depois daria origem
às correntes de pensamento socialista e suas lutas. Paralelamente, teve início
uma fase de desconfiança em relação ao poder da razão, já que não estaria
correspondendo às expectativas da maioria das pessoas para resolver os grandes
problemas sociais e trazer a felicidade sonhada.
2. Características
De
toda a História da Filosofia, o período contemporâneo é com certeza, aquele que
traz em seu bojo a maior polissemia de pensamentos, e isso, em termos, de
perspectivas. Podemos vislumbrar essa premissa quando realizamos um voo
panorâmico sobre as outras fases do pensar filosófico. A temática fundamental
na Filosofia Antiga era a busca pela physis.
Na Filosofia Medieval tem-se o debruçar sobre a relação conturbada entre fé e
razão; nos tempos de René Descartes, a Filosofia Moderna, volta os seus olhares
para a razão e para a ciência, como pontes que possibilitam ao ser humano
ultrapassa as fronteiras e descortinar horizontes nunca antes conhecidos. Em contrapartida,
o filosofar contemporâneo é um verdadeiro mosaico de ideias, não há ponto de
equilíbrio, é mutação, é um vir-a-ser.
Os pensadores como navegantes se espalham pela vastidão da existência humana
sem portos seguros para atracar.
Ao contrário das
filosofias antiga, medieval e moderna, que possuem uma unidade bem delimitada
e, assim, apresentam características delimitadas, a filosofia contemporânea,
justamente porque não se distancia de nosso tempo, ainda não permite que se
tenha uma visão mais profunda de seu conjunto. O que se percebe é que ela é
formada por várias tendências e diferentes problemas, sem apresentar, portanto,
uma orientação comum que possa vir a caracterizá-la de maneira uniforme. Diz-se
geralmente que a filosofia contemporânea começa a partir da crise do pensamento
moderno. Se o moderno se funda na soberania da razão, o contemporâneo nasce com
a crítica ao racionalismo. Portanto, não há exatamente coincidência entre o
período histórico contemporâneo e a filosofia contemporânea. Enquanto o
primeiro teve como marco fundador a Revolução Francesa de 1789, a segunda se
configurou mais plenamente apenas no final do século XIX. A Idade Moderna foi
profundamente marcada pelo racionalismo cartesiano e pelo empirismo inglês,
que, associados a processos históricos iniciados nos séculos XV e XVI (como a
centralização monárquica, a expansão marítima e a conquista de outros
continentes, especialmente a colonização da América), proporcionaram intensas
transformações na vida dos europeus, que no plano da sua vida material
concreta, que no plano das suas ideias e valores. A percepção do outro, que o contato com sociedades que
viviam nas mais diferentes partes do mundo proporcionou, fez com que os
europeus fossem elaborando diversas concepções de mundo, algumas radicalmente
distintas entre si, cujos reflexos podem ser verificados em muitos campos, como
o religioso, o político e o cultural (CHALITA, 2004, p.294).
3. As principias correntes
As principais correntes da Filosofia Contemporânea são
esboçadas por Padovani; Castagnola (1970):
1) O iluminismo
representa uma síntese prática, divulgadora, de empirismo e racionalismo. Kant
representa-lhe a síntese crítica especulativa, fundindo os dois fenomenismos em
fenomenismos superior, daí surgindo o idealismo,
que em Kant toma o nome de criticismo.
Neste afirma-se, explicita e sistematicamente, a concepção, como dissemos, é a
significação profunda do pensamento moderno e contemporâneo, e culmina em
Hegel.
2) Ao idealismo
(primeira metade do século XIX) opõe-se, no mesmo século, a filosofia espiritualista –
tradicionalismo e ontologismo: tentativa desafortunadas para restaurar os
valores supremos do espírito humano.
3) Contra o idealismo
se insurge também (na segunda metade do século XIX) o positivismo. Este se manifesta em oposição ao primeiro, da mesma
maneira que, antes de Kant, o empirismo se manifestava em oposição ao
racionalismo. Entretanto, como o empirismo e o racionalismo, no fundo,
expressões de um fenomenismo comum, assim o positivismo representa a mesma
exigência imanentista do idealismo, mais plenamente atualizada, porém, mediante
uma aderência maior ao campo concreto dos fatos.
4) O positivismo
declina entre os fins do século [XIX] e os princípios do atual [XX]. Neste
tempo aparecem e se afirmam várias tendências filosóficas, que, no conjunto, se
denominam filosofias do século XX. Não obstante a sua variedade, tais tendências
pressupõem, geralmente, a concepção imanentista e humanista moderna. Vão-se
orientando para um ceticismo e um pessimismo profundos, especialmente perante a
falência prática, moral, política das ideologias dos filósofos contemporâneos.
5) As malogradas
tentativas da filosofia espiritualista do século XIX, e o fracasso teorético
das correntes filosóficas imanentistas determinaram a volta das mais profundas
inteligências do mundo contemporâneo, especialmente neste últimos tempos, à
filosofia helênico-cristã, justamente definida a filosofia perene do espírito
humano e da inteligência. Essa metafísica
clássica (chamada também neotomismo, filosofia
racional, filosofia aristotélico-tomista) encerra em suas fileiras, a cada
dia mais extensas, os mais eminentes pensadores do mundo filosófico
contemporâneo.
À guisa de introdução desse tópico,
pode-se afirmar que a filosofia contemporânea do século XIX, traz em seu rol,
uma riqueza imensa de escolas e pensamentos que vão do romantismo alemão - Schlegel (1772-1829), Hörlerlin (1770-1843),
Schiller (1759-1805); ao idealismo –
Fichte (162-1813), Schelling (1775-1854), Hegel (1770-1831); utilitarismo inglês - Jeremy Bentahm
(1748-1832), Stuart Mill (1806-1873); positivismo
de Comte (1798-1857); pragmatismo de Charles Peirce
(1839-1914) e William James (1842-1910), o materialismo
dialético - Marx (1818-1883), Engels (1820-1895); as posturas de Schopenhauer
(1788-1860), Kierkegaard (1813-1855) e Nietzsche (1844-1900) contra o
racionalismo.
Na filosofia contemporânea do
século XX, com uma manifestação poderosa surge a fenomenologia de Husserl (1859-1938); a hermenêutica de Heidegger (1889-1976); as filosofias da existência - Gabriel Marcel(1889-1973), Karl Jaspers
(1883-1969), Jean Paul Sartre (1905-1980); a Escola de Frankfurt – Horkheimer ( 1895-1973), Adorno (1903-1969),
Benjamin (1892-1940), Marcuse (1898-1979) e Habermas(1929-); o estruturalismo de Lévi-Strauss
(1908-2009) e Michel Foucault (1926-1984) (considerado por alguns como
pós-estruturalista e pós-moderno).
4. A crise da modernidade
Para
perscrutar a crise da modernidade, faz-se necessário descrever a visão que os
pensadores tinham acerca desse período e suas nuances. Com afirma Aranha; Martins
(1993, p.111) o século XVIII é conhecido como Iluminismo, Século das Luzes,
Ilustração ou Aufklärung. Como as
próprias designações sugerem, trata-se do otimismo no poder da razão de
reorganizar o mundo humano. Já no Renascimento, se desenrola a luta contra o
princípio da autoridade e a busca dos próprios poderes humanos, pelos quais o
homem tecerá ele próprio a trama do seu destino. O racionalismo e o empirismo
do século XVII (Descartes, Locke e Hume) dão o substrato filosófico dessa
reflexão: Descartes justifica o poder da razão de perceber o mundo através de
ideias claras e distintas; Locke valoriza os sentidos e a experiência na
elaboração do conhecimento; Hume levanta o problema da exterioridade das
relações frente aos termos.
Sem dúvida, o
século XIX é o século das ciências e também da revolução industrial, das
revoluções burguesas, das grandes transformações urbanas e de profundas
mudanças no mundo do trabalho. Foi nesse cenário que se desenvolveu a transição
do moderno para o contemporâneo (D’Angelo, 2011, p.11).
As
principais afirmações do Iluminismo eram de que pela razão, o homem pode
conquistar a liberdade e a felicidade social e política. A razão é capaz de
aperfeiçoamento e progresso, e o homem é um ser perfectível. O aperfeiçoamento
da razão se realiza pelo progresso das civilizações. Ora, essas verdades não
passam pelo crivo dos filósofos contemporâneos. Ora, o marco inicial da
modernidade, “o projeto da razão moderna” era conduzir o homem à emancipação,
todavia, o que ocorreu foi um vazio, uma ausência de sentido. A razão moderna
não realizou o seu projeto.
No
rol da Filosofia Contemporânea encontra-se a modernidade. O que era a
modernidade? Para Chaui (2010) era o conjunto de ideias e de valores que haviam
norteado a filosofia e as ciências desde o fim do século XVIII até os anos de
1980, e que podemos brevemente resumir nos seguintes aspectos:
1.
No campo do conhecimento:
- Racionalismo: confiança no poder da razão (seja como razão instrumental, seja como razão crítica) para distinguir entre aparência e realidade e para conhecer e transformar a realidade. O racionalismo definira critérios que permitiam distinguir entre razão e loucura, ser e parecer ou realidade e aparência, conhecimento e ilusão, verdade e ideologia, e assegurava a validade do conhecimento filosófico e científico;
- Distinção entre interior e exterior ou entre sujeito e objeto: confiança em critérios e procedimentos que permitiam distinguir claramente entre sujeito ou a consciência (o interior) e o objeto ou as coisas (o exterior), de maneira a assegurar a subjetividade (o pensamento com seus princípios e leis universais e com seus procedimentos teóricos e próprios) como fundamento necessário do conhecimento ou como condição necessária da objetividade como forma do conhecimento verdadeiro;
- Afirmação da capacidade da razão humana para conhecer a essência ou a estrutura interna de todos os seres, definindo as causas e condições pelas quais é determinada a identidade de cada coisa e sua realidade, demonstrando as relações necessárias que cada uma delas mantém com outras de que dependem ou que delas dependem e oferecendo as leis necessárias de mudança ou alteração de todas as coisas.
2.
No campo prática:
- Afirmação da diferença entre a necessidade que rege a ordem natural ou as leis da natureza e a ordem humana da cultura (ética, política, artes), pois nesta as regras e normas dependem da ação econômica, social e política dos próprios homens. Ainda que a ordem social e política atue sobre os indivíduos como se tivesse a mesma necessidade que a ordem natural, ela pode ser mudada e transformada pelos seres humanos, o que prova que ela é uma instituição humana e histórica;
- Afirmação de que os seres humanos são indivíduos e agente livres porque são seres racionais dotados de vontade, capazes de controlar e moderar suas paixões e seus desejos e que escolhem por si mesmos as ações que praticam, sendo por isso responsáveis por elas;
- Distinção entre o público e o privado: estabelecimento de critérios que permitiam distinguir entre a esfera pública ou política (ou o campo das instituições sociais e de poder) e a esfera privada da moral individual (a ética) e da economia de mercado (a propriedade privada dos meios de produção);
- Afirmação dos ideais da Revolução Francesa – igualdade, liberdade e fraternidade -, reconhecimento de uma esfera de direitos civis – o campo da cidadania – e ampliação desses ideais pela afirmação de direitos sociais, que deram origem aos movimentos sociais de luta contra o racismo, ao movimento feminista e aos movimentos de liberação sexual;
- Afirmação de um sentido progressivo da história ou de ideais revolucionários de emancipação do gênero humano, com lutas sociais e políticas contra a opressão e a exploração econômica, social, política e cultural.
5. O Romantismo
Sobre
o Romantismo existe uma riqueza de perspectivas. Na análise de Chalita (2004) o
Romantismo teve início na Alemanha, mas alcançou toda a civilização ocidental e
foi como uma febre renovadora para a cultura de modo geral. Atingiu a criação
poética e literária com Goethe e Schiller, a música com Beethoven (1770-1827) e
Brahms (1833-1897), as artes plásticas com a Escola de Berlim e a de Frankfurt,
além da filosofia. O Romantismo nasceu como uma reação, principalmente dos
jovens, contra o modelo racionalista apregoado pelo Iluminismo. Foi uma forma
de conceber o homem não só como detentor de razão,
mas também de sentimento, como
propusera Rousseau. Compreendiam, assim, que a aquisição do conhecimento era resultante
da interação entre a razão e o sentimento.
O
romantismo como um movimento de forças sem proporções se expandiu pela Europa e
por outras regiões do mundo, assumindo características peculiares em cada
sociedade. De modo geral, o romantismo foi uma reação ao espírito racionalista,
que pretendia abraçar o mundo e orientar a sociedade. Captou precocemente a
noção de que a racionalização e a mecanização caracterizariam o mundo
industrial e intuiu a ameaça que esse processo representava para a expressão
humana, tendo em vista que os sentimentos individuais estariam sendo relegados
a segundo plano.
Em vez de se
limitar a uma interpretação racional da realidade, o movimento romântico que se
seguiu imediatamente ao Iluminismo buscou uma dimensão emocional e espiritual
em sua resposta ao mundo e à posição do homem dentro dele. Subjacentes a esse
desenvolvimento estavam as mudanças sociais e econômicas produzidas pela
revolução industrial – em particular o surgimento de uma nova classe de
trabalhadores industriais empobrecidos. As condições abjetas a que eles estavam
condenados e as divisões sociais assim manifestadas forneceriam o impulso para
o desenvolvimento de filosofias socialistas e utilitárias, destinadas a minorar
os males da industrialização (LAW, 2011, p.40).
5. O idealismo alemão
O Idealismo é um movimento filosófico centrado na Alemanha durante a época do Iluminismo do século XVIII e início do século XIX. É desenvolvido a
partir da obra de Immanuel
Kant e está intimamente ligada com o movimento Romantismo. É por vezes referido como kantismo (apesar de que mais corretamente também envolve a aceitação de pontos de vista éticos e epistemológicos de Kant). Em
sentido amplo, o idealismo é a teoria de que a realidade fundamental é feita de ideias ou pensamentos. Ela sustenta que
a única coisa que realmente cognoscível é a consciência (ou entidades mentais), e que nunca podemos realmente ter certeza de
que o assunto ou qualquer coisa no mundo exterior realmente existe. O conceito de idealismo, sem dúvida remonta a Platão. Aqui, ressaltaremos o
idealismo pós-kantiano de Fichte e Schelling que desenvolveram a doutrina
kantiana, que, no entanto, deram a essa doutrina uma interpretação mais
subjetiva e menos crítica e o idealismo absoluto de Hegel que caracteriza a sua
metafísica, entendida não em sentido subjetivo, mas absoluto.
O idealismo alemão
reteve do romantismo o aspecto do nacionalismo, do amor à pátria, da
valorização do povo e do Estado como um organismo, embora seu maior
representante, Hegel, combatesse o sentimentalismo romântico” (COTRIM;
FERNANDES, 2010, p.253).
6. Fichte
Segundo
Japiassú; Marcondes (2006) o ponto de partida da obra de Fichte são os
problemas kantianos da fundamentação da experiência e da relação entre a
necessidade causal do mundo natural e a liberdade no mundo moral.
Posteriormente desenvolveu uma filosofia que prenunciava o idealismo absoluto
de Hegel, formulando uma noção de “ego” como um ser ativo e autônomo em um
sistema determinado pela Natureza. O “ego” resulta assim de um ato de
auto-afirmação da consciência originária, constituindo o mundo objetivo – o
“não-ego” – a partir das aparências. Seu idealismo, nesse sentido, dissocia-se
da filosofia de Kant, sobretudo por abandonar a distinção kantiana entre objeto
e coisa-em-si. Sua ética humanista e seu idealismo prático antecipam certas
ideias do existencialismo como o fazer-se do homem por si mesmo.
Qual
é o grande objetivo de Fichte? Para Marcondes (1998, p.238) seu propósito
principal é formular uma Doutrina da ciência, que começa a elaborar desde o
início do século, consistindo em uma filosofia teórica e especulativa,
procurando superar a dicotomia sujeito-objeto. Fichte parte de uma teoria do
conhecimento que pretende unificar o mundo do sensível e o mundo do inteligível.
Seu objetivo final, uma pretensão que terá forte influência sobre Hegel, é
atingir o saber absoluto. O modo de acesso ao absoluto é uma intuição
intelectual que resulta basicamente de um ato de vontade, anterior ao saber e
ao próprio pensamento. Fichte rejeita assim a dicotomia kantiana entre objeto e
coisa em si e a inacessibilidade à essência, restaurando dessa forma o papel da
intuição intelectual, problematizada por Kant, e revalorizando o pensamento
especulativo. Este recurso à intuição como modo privilegiado de acesso ao real
terá grande influência nos pensadores românticos e é uma das características
centrais do idealismo transcendental.
Para
Storig (2009) a base geral do sistema fichtiano está contida nos dois escritos Sobre o conceito da doutrina das ciências ou
da assim chamada filosofia e Princípios
da doutrina das ciências em seu conjunto – os dois publicados em 1794. A
expressão “doutrina das ciências” significa algo semelhante à “filosofia
transcendental” de Kant – a qual, aliás, Fichte frequentemente enaltecia como o
ato de Kant que marcou época -, a saber: enquanto todas as ciências isoladas
tratam de objetos, a filosofia analisa o próprio saber. Ela é, por isso, uma
ciência das outras ciências e anterior a elas; e daí “doutrinas das ciências”.
Para Fichte, pode haver somente dois sistemas filosóficos consequentes. O que a
filosofia tem de esclarecer é, certamente, a experiência, ou seja, a ideia que
fizemos da coisa. A representação que fizemos pode, assim, derivar-se da coisa.
Disso resulta um sensualismo ou um materialismo, de qualquer maneira um
dogmatismo. Ou deriva-se a coisa da representação. Disso resulta um idealismo.
Aquele que é dominado pela autonomia e impulsionado para atividades escolherá o
idealismo, aquele de natureza mais passiva optará pelo “dogmatismo”. Não resta
dúvida de qual caminho será escolhido por Fichte.
7. Hegel
Para
Marcondes (1998) A obra de Hegel é fortemente sistemática, procurando incluir
em um sistema integrado todos os grandes temas e questões da tradição
filosófica, da ética à metafísica, da filosofia da natureza à filosofia do
direito,da lógica à estética. Pode-se dizer também que se trata do último
grande sistema filosófico. Depois de Hegel a concepção de uma filosofia
sistemática entra em crise, em grande parte devido às críticas à pretensão
hegeliana feitas ao longo do séc. XIX por filósofos como Schopenhauer,
Kierkegaard, Marx e Nietzsche, dentre outros. Tentar compreender o sistema
hegeliano exige portanto entender sua linguagem própria, altamente técnica, já
que Hegel usa um vocabulário técnico (e, segundo alguns críticos, abusa mesmo dele) que possui um sentido
específico no interior de sua obra. Além disso, as questões discutidas por ele
são sucessivamente retomadas em diferentes obras, sob diferentes perspectivas,
que se integram e se complementam. É como se entender uma obra, ou até mesmo um
conceito, exigisse que se entendesse todo o sistema.
O
pensamento hegeliano mostra o papel da filosofia. Störig (2009, p.399), o
conjunto do processo universal é para Hegel um autodesdobramento do espírito. A
tarefa da filosofia é analisar esse autodesdobramento pensando. De acordo com a
lei da dialética, ele ocorre em três estágios de desenvolvimento. Com eles
também é fornecida a estrutura da filosofia. No primeiro estágio, o espírito
universal encontra-se no estado de “ser-em-si”.
A disciplina filosófica que o analisa aqui se chama lógica. No segundo estágio o espírito encontra-se no estado de
“exteriorização”, de “auto-alienação”, de alteridade
(Anderssein). O espírito
exterioriza-se para dentro na forma da natureza interligada ao espaço e ao
tempo. Esse estágio é analisado pela filosofia
da natureza. No terceiro e último estágio o espírito retorna da
auto-exteriorização para si mesmo. O espírito encontra-se, então, no estado do
“ser-em-e-para-si”. Corresponde-lhe,
como terceiro estágio da filosofia, a filosofia
do espírito.
O
que Hegel entende por espírito? Num sentido geral, espírito (Geist, em alemão) é uma atividade da
consciência que se manifesta no tempo (ARANHA; MARTINS, 2009, p.185). É Störig
(2009, p.402) que expõe a filosofia do espírito de Hegel e mostra como o
filósofo concebe os seus argumentos e as suas perspectivas:
O
reino do espírito – que se eleva acima da natureza, e,
com isso, também a filosofia do espírito – é, por seu lado, dividido em três
níveis.
Espírito
subjetivo – Hegel designa o nível mais baixo de “espírito
subjetivo”. A noção de espírito subjetivo refere-se à vida do ser humano
isolado, do indivíduo. É primeiramente no ser humano – e não no animal – que o
espírito se torna consciente de si.
Aquilo que nos conceitos gerais da lógica se apresentava apenas com algo
pensado adquiri agora, a partir do momento que o homem o coloca em sua
consciência, e de forma mais específica, realidade. Aqui o espírito é “consigo
mesmo” ou “para-si”. Mais exatamente: aqui o espírito começa a passar do estado de “ser-de-fora-de-si” para o de
“ser-para-si”. Ele apenas começa, pois o espírito no indivíduo ainda não é real
e plenamente ‘para si”. “O ser humano é um ‘estar sendo’ para si, quer dizer,
um determinado ser pessoal inconfundível que obtém sua determinabilidade não
apenas de seu ser-de-outra-maneira (Anders-Sein)
perante outros. Mas o ser humano é também uma espécie e, considerado como
exemplar da espécie, ele pertence à “natureza” e é determinado apenas pelo seu
“ser-de-outra-maneira”.
Espírito
objetivo – o conceito de espírito objetivo também é
utilizado hoje em dia. Dizemos que um produto espiritual como, por exemplo, um
sistema de pensamento, uma teoria, uma determinada obra, não é apenas
“psíquico”, ou seja, não é algo que se esgota por estar contido na mente de seu
criador ou de outra pessoa que se ocupa com ele num certo momento. Desprendido
da psique (individual), esse produto tem, antes, de ser valorizado como um
produto espiritual “objetivo”. Esse emprego do conceito deriva, é certo, de
Hegel, mas não transmite o sentido que o próprio Hegel lhe confere. Para Hegel,
a doutrina do espírito objetivo significa também ética. O reino do espírito objetivo é para Hegel o da família, da
sociedade e do Estado – e a história, na qual aqueles se desenvolvem. Na
família, na sociedade e no Estado, o espírito subjetivo personificado no
indivíduo isolado entra numa esfera de ordem mais elevada, mais objetiva. Nela
ele se encontra sob leis supra-individuais, cuja essência é a ética.
Espírito
absoluto – sobreposto aos espíritos subjetivo e objetivo,
eleva-se a esfera do espírito absoluto.
É somente nela que o espírito, depois de ter retornado do “ser-de-outra-maneira”,
encontra-se plenamente consigo mesmo. Ele está “em sei e para si” (an und für sich). O reino do espírito
absoluto está dividido em arte, religião e filosofia.
Assim, sucintamente afirma Aranha; Martins
(2009) que o espírito subjetivo é o
espírito individual, ainda encerrado na sua subjetividade (como ser de emoção,
desejo, imaginação); o espírito objetivo
opõe-se ao espírito subjetivo: como tal, é o espírito exterior como expressão
da vontade coletiva por meio da moral, do direito e da política. O espírito
objetivo realiza-se naquilo que se chama mundo
da cultura; o espírito absoluto,
ao superar o espírito objetivo, realiza a síntese final em que o espírito,
terminando o seu trabalho, compreende-o como realização sua. A mais alta
manifestação do espírito absoluto é a filosofia, saber de todos os saberes,
quando espírito atinge a absoluta autoconsciência, depois de ter passado pela
arte e pela religião.
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