Filosofia Contemporânea: Filosofias da existência
As filosofias da existência
Depois da Segunda
Guerra Mundial, a Filosofia da existência vigorou durante um tempo como a filosofia da época. Isso passou. Para
compreender a sua origem, precisamos retornar consideravelmente no tempo:
precisamos retornar a Sören Kierkegaard. O direcionamento para o homem singular
e para a sua respectiva situação concreta, um direcionamento que aprendemos com
Kierkegaard, é comum a todos os filósofos da existência. A doutrina
kierkegaardiana da angústia como
componente fundamental da existência, a doutrina da solidão do homem e a da tragédia
inexorável do ser humano também são comuns a quase todos. Em contrapartida,
eles não trazem consigo a vivência religiosa, a partir da qual essas ideias
precisam ser compreendidas em Kierkegaard. Para ele, essa vivência fundamental
não é logicamente apreensível. Trata-se de um “salto”, por meio do qual o
singular chega à fé e “se torna um cristão”. Trata-se de um salto para o interior
de um âmbito para além de toda razão, para o interior do absurdo e do paradoxal
(STÖRIG, 2009, p.510).
1. Jean Paul Sartre
Sartre foi
romancista, dramaturgo, contista, ensaísta, filósofo, político, um homem de
muitas facetas. Alguns biógrafos assinalam que para experimentar, viver e agir
no seu tempo, Sartre utilizou todos os meios que pôde. Uma classificação formal
teria de descrevê-lo simultaneamente como um filósofo, um ficcionista, um autor
dramático, um crítico literário, um argumentista para cinema, um jornalista e
um panfletário político com aparentes e permanentes aspirações a ser também um
sociólogo e um psicanalista (MACIEL, 1975, p.12).
Sartre
foi profundamente influenciado pelo seu contexto histórico, por isso, tornou-se
um pensador e ao mesmo tempo um ativista político. Segundo Cotrim (2010) Jean
Paul Sartre recebeu significativa influência filosófica de Heidegger. Durante
os anos da Segunda Guerra Mundial, participou da luta da resistência francesa
contra o nazismo. Também aderiu ao marxismo, considerando-o a filosofia da
época, embora, diante da intervenção soviética na Hungria, em 1956, tenha
rompido com o Partido Comunista, acusando-o de se desviar do sentido autêntico
do marxismo. Sartre tornou-se o filósofo mais conhecido da corrente
existencialista. No entanto, grande parte de sua fama deve-se não propriamente
à sua obra filosófica, mas às suas peças de teatro e romances, dentre os quais
se destacam A náusea, O muro, A idade da razão, O diabo e o
bom Deus.
O termo
existencialismo não designa um sistema filosófico concreto. Poderia reserva-se
este nome, e seria conveniente aplicá-lo à filosofia de Sartre, porém, quando
aplicamos tão conceito à filosofia de Gabriel Marcel, que depois de falar por
muito tempo que era existencialista, acabou por repudiar esse título
(COPLESTON, 1959, p.195).
O
homem nauseado
Jean
Paul Sartre (1986, p.7) inicia a sua obra A
náusea com a seguinte epígrafe: “É um
rapaz sem importância coletiva; é apenas um indivíduo”. Nessa expressão já vem
embutido o sentido da existência humana – da existência concreta, apanhada em
seu viver cotidiano, destituída de qualquer realce especial, desprovido, até
mesmo de significado coletivo (BORNHEIM, 1984, p.16). Para Sartre, a primeira
experiência que tem grande valor como revelação existencial é a descoberta da
náusea.
Segundo
Souza (2004) a náusea se revela, como parte constitutiva daquilo que o homem é,
e não sendo mais algo que se acrescenta a ele. A existência para Sartre é um
absurdo. Por isso, conclui que a vida, o homem é uma “paixão inútil” (SARTRE,
1997, p.750). a partir dessas colocações, ele afirma o absurdo da existência
como vemos a seguir: e sem formular claramente nada, compreendi, a chave de
minhas náuseas, de minha própria vida. De fato, tudo o que pude captar, liga-se
a esse absurdo fundamental. Um gesto, um acontecimento no pequeno mundo dos
homens sempre é apenas relativamente absurdo: em relação às circunstâncias que
o acompanham. Os discursos de um louco, por exemplo, são absurdo: em relação à
situação em que este se encontra, mas não em relação ao seu delírio. E
acrescenta, o mundo das explicações e das razões não é o da existência. A razão
não oferece a base para explicar o mundo humano, a existência é náusea, é
absurdo. Mas como pode ser superado essa dimensão de vazio? Sartre nos mostra
que o homem é um projeto, para isso, recorre à ontologia.
Liberdade
- uma
das condições fundamentais da existência humana é a liberdade. Por isso, no
homem a existência precede a essência, ele se faz, se projeta. Não tem o homem, pois, uma natureza dada
previamente, não se define antes de existir, mas sua definição, o que ele é, a
sua essência, será o que ele fizer, será o que ele construir, existindo.
Eis, pois, o
significado de, no homem,diz Sartre (1978) a existência preceder a essência:
significa que o homem primeiramente existe, se descobre, surge no mundo; e que
só depois se define. O homem tal como concebe o existencialista, não é
definível, é porque primeiramente não é nada. Só depois será alguma coisa e tal
como a si próprio se fizer. Assim, não há natureza humana, visto que não há
Deus para conceber. O homem é apenas como ele se concebe, mas como ele quer que
seja, como ele se deseja após este impulso para a existência, o homem não é
mais que o que ele faz.
Se, com efeito, a
existência precede a essência, não será nunca possível referir uma explicação a
uma natureza dada e imutável; por outras, não há determinismo, o homem é
liberdade, vocifera Sartre (1978). Portanto, não há mais desculpas ou
justificações. O homem sartreano não tem escolha porque está condenado a
existir para além de sua essência. Condenado porque não se criou a si próprio,
e no entanto livre, porque uma vez lançado ao mundo é responsável por tudo
quanto fizer.
Segundo Sartre (1999) o
homem é condenado a ser livre porque a liberdade não é uma qualidade que o
homem adquire. Ele é livre, faça o que fizer. Lançando-se no mundo, o homem
define-se pouco a pouco, tenta uma definição que, de resto, fica sempre
incompleta e aberta. Podemos sempre escolher a possibilidade, o modo ou a
maneira de viver a nossa existência.
No sentido
existencialista, ao afirmar a máxima de que “o homem está condenado a ser
livre”, faz-se necessário que o homem deva assumir as próprias escolhas para
ser responsável pela sua própria condição. Ele tem que tomar decisões
relativamente ao itinerário de usa existência e, por isso, se angustia. E está
sem amparo, sem âncoras para essa escolha, cada indivíduo é responsável pela
sua existência, isto é, tem em suas mãos a vitória ou o fracasso de suas ações.
Em Sartre, o indivíduo é livre para construir o seu projeto existencial de seu
viver.
O homem é antes de
mais nada um projeto que vive subjetivamente (...) nada existe anteriormente a
este projeto; nada há no céu inteligível, e o homem será antes de mais o que
tiver projetado ser (SARTRE, 1978, p. 217).
2. Gabriel Marcel
Segundo
Japiassú; Marcondes (2006), Gabriel Marcel procurou traduzir direta e
intensamente o sentido dramático da existência humana. Seu pensamento é ao
mesmo tempo profundamente existencial e naturalmente religioso ou cristão. Daí
se considerar seu existencialismo como um “socratismo cristão”, por oposição ao
existencialismo ateu de Sartre. Concebe sua filosofia como uma exploração a ser
feita e como um caminho a ser percorrido. Por isso, define o ser humano como um
ser itinerante, como “um homem que caminha” (Homo viator), como um peregrino do
absoluto. Para Nunes (1991) no método de Gabriel Marcel a reflexão é uma
experiência filosófica. Modificando-se e complicando-se, no curso de sucessivas
indagações, as questões a elucidar é que dão acesso ao domínio que se
investiga.
É nesse percurso que o
homem descobre o sentido de sua vida, seus semelhantes e Deus. Porque essa
itinerância constitui o lugar mesmo da esperança do homem. Sua moral começa
pela amizade do ser humano por si mesmo. O amor de si é inseparável do Amro dos
outros e de Deus como Tu absoluto.
Para Reale; Antiseri
(2005, p.245), a filosofia de Gabriel Marcel é permeada por três motivos fundamentais:
1)
a defesa da singularidade irrepetível do
existente e do mistério do Ser contra as pretensões de um racionalismo que
pretende reduzir a existência e toda a realidade à experiência conhecida
através do método da verificação empírica;
2)
o reconhecimento da não-objetividade
fundamental do sentimento corpóreo; com efeito, escreve Marcel no Jornal metafísico, “se não posso exercer
minha atenção, a não ser por meio de meu corpo, disso resulta que ele é, de
certa forma, impensável para mim, porque a atenção que se concentra sobre ele,
em última análise, o pressupõe”;
3)
a doutrina do mistério ontológico, para
a qual a existência torna-se autêntica na participação do Ser, participação que
pode ser captada pela análise de alguns traços da experiência cristã, como, a
“felicidade”, a “esperança” e o “amor”.
Ser
e ter
A
mentalidade capitalista não valoriza a pessoa pelo que ela é, mas por suas
posses. Para Reale; Antiseri (2005) para que a pessoa redescubra a si mesma e,
portanto, se torne disponível para o domínio do Ser, deve fazer uma reviravolta
sobre si mesma e subverter a hierarquia que o mundo moderno e contemporâneo
fixaram entre a categoria do ter e a
do ser. Segundo a metafísica do ter, valemos pelo que
temos e não pelo que somos, enquanto
o mundo e os outros são unicamente objetos de posse sempre mais vasta.
Segundo
Marcel, não é estranha ao nascimento e ao desenvolvimento dessa atitude a
mentalidade objetivante do racionalismo científico e técnico, para a qual “o
próprio mundo tende [...] a aparecer por vezes como simples campo de exploração
e às vezes como escravo adormecido”. Entretanto, enquanto aquele que possui
tenta, por todos os meios, manter, conservar e aumentar a coisa possuída, esta,
sujeita ao desgaste e às vicissitudes do tempo, pode escapar, tornando-se assim
o centro do temores e das ansiedades de quem quer possuí-la. Sob o signo da
categoria do ter, a realidade, a realidade deixa de ter vida, mistério e
alegria criadora, transformando-se em voragem de objetos que absorve
inexoravelmente quem quer possuí-los. O mundo da categoria do ter é “um mundo
em frangalhos”, é o mundo da alienação e da preocupação, de que a objetividade
científica seria a transcrição no plano lógico.
Vivemos
num mundo de coisas, entregamos nossas almas, fazemos tudo, gastamos as nossas
energias, empenhamos a nossa força e a nossa vitalidade em simplesmente em
possuir coisas, ter e esquecemos-nos de ser.
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