Filosofia Contemporânea: Filosofias da existência






 As filosofias da existência

Depois da Segunda Guerra Mundial, a Filosofia da existência vigorou durante um tempo como a filosofia da época. Isso passou. Para compreender a sua origem, precisamos retornar consideravelmente no tempo: precisamos retornar a Sören Kierkegaard. O direcionamento para o homem singular e para a sua respectiva situação concreta, um direcionamento que aprendemos com Kierkegaard, é comum a todos os filósofos da existência. A doutrina kierkegaardiana da angústia como componente fundamental da existência, a doutrina da solidão do homem e a da tragédia inexorável do ser humano também são comuns a quase todos. Em contrapartida, eles não trazem consigo a vivência religiosa, a partir da qual essas ideias precisam ser compreendidas em Kierkegaard. Para ele, essa vivência fundamental não é logicamente apreensível. Trata-se de um “salto”, por meio do qual o singular chega à fé e “se torna um cristão”. Trata-se de um salto para o interior de um âmbito para além de toda razão, para o interior do absurdo e do paradoxal (STÖRIG, 2009, p.510).
 1. Jean Paul Sartre
Caixa de texto:  
 Sartre

Caixa de texto: Jean Paul Sartre, filósofo francês, nasceu em Paris em 1905. Principal expoente do existencialismo. Autor de: A náusea, O muro, o existencialismo é um humanismo, O ser e o nada. Em 1964 foi contemplado com o Nobel de Literatura, mas se recusou a recebê-lo.





Sartre foi romancista, dramaturgo, contista, ensaísta, filósofo, político, um homem de muitas facetas. Alguns biógrafos assinalam que para experimentar, viver e agir no seu tempo, Sartre utilizou todos os meios que pôde. Uma classificação formal teria de descrevê-lo simultaneamente como um filósofo, um ficcionista, um autor dramático, um crítico literário, um argumentista para cinema, um jornalista e um panfletário político com aparentes e permanentes aspirações a ser também um sociólogo e um psicanalista (MACIEL, 1975, p.12).

Sartre foi profundamente influenciado pelo seu contexto histórico, por isso, tornou-se um pensador e ao mesmo tempo um ativista político. Segundo Cotrim (2010) Jean Paul Sartre recebeu significativa influência filosófica de Heidegger. Durante os anos da Segunda Guerra Mundial, participou da luta da resistência francesa contra o nazismo. Também aderiu ao marxismo, considerando-o a filosofia da época, embora, diante da intervenção soviética na Hungria, em 1956, tenha rompido com o Partido Comunista, acusando-o de se desviar do sentido autêntico do marxismo. Sartre tornou-se o filósofo mais conhecido da corrente existencialista. No entanto, grande parte de sua fama deve-se não propriamente à sua obra filosófica, mas às suas peças de teatro e romances, dentre os quais se destacam A náusea, O muro, A idade da razão, O diabo e o bom Deus.

O termo existencialismo não designa um sistema filosófico concreto. Poderia reserva-se este nome, e seria conveniente aplicá-lo à filosofia de Sartre, porém, quando aplicamos tão conceito à filosofia de Gabriel Marcel, que depois de falar por muito tempo que era existencialista, acabou por repudiar esse título (COPLESTON, 1959, p.195).


O homem nauseado
Jean Paul Sartre (1986, p.7) inicia a sua obra A náusea com a seguinte epígrafe: “É um rapaz sem importância coletiva; é apenas um indivíduo”. Nessa expressão já vem embutido o sentido da existência humana – da existência concreta, apanhada em seu viver cotidiano, destituída de qualquer realce especial, desprovido, até mesmo de significado coletivo (BORNHEIM, 1984, p.16). Para Sartre, a primeira experiência que tem grande valor como revelação existencial é a descoberta da náusea.
Segundo Souza (2004) a náusea se revela, como parte constitutiva daquilo que o homem é, e não sendo mais algo que se acrescenta a ele. A existência para Sartre é um absurdo. Por isso, conclui que a vida, o homem é uma “paixão inútil” (SARTRE, 1997, p.750). a partir dessas colocações, ele afirma o absurdo da existência como vemos a seguir: e sem formular claramente nada, compreendi, a chave de minhas náuseas, de minha própria vida. De fato, tudo o que pude captar, liga-se a esse absurdo fundamental. Um gesto, um acontecimento no pequeno mundo dos homens sempre é apenas relativamente absurdo: em relação às circunstâncias que o acompanham. Os discursos de um louco, por exemplo, são absurdo: em relação à situação em que este se encontra, mas não em relação ao seu delírio. E acrescenta, o mundo das explicações e das razões não é o da existência. A razão não oferece a base para explicar o mundo humano, a existência é náusea, é absurdo. Mas como pode ser superado essa dimensão de vazio? Sartre nos mostra que o homem é um projeto, para isso, recorre à ontologia.
Liberdade - uma das condições fundamentais da existência humana é a liberdade. Por isso, no homem a existência precede a essência, ele se faz, se projeta.  Não tem o homem, pois, uma natureza dada previamente, não se define antes de existir, mas sua definição, o que ele é, a sua essência, será o que ele fizer, será o que ele construir, existindo.
Eis, pois, o significado de, no homem,diz Sartre (1978) a existência preceder a essência: significa que o homem primeiramente existe, se descobre, surge no mundo; e que só depois se define. O homem tal como concebe o existencialista, não é definível, é porque primeiramente não é nada. Só depois será alguma coisa e tal como a si próprio se fizer. Assim, não há natureza humana, visto que não há Deus para conceber. O homem é apenas como ele se concebe, mas como ele quer que seja, como ele se deseja após este impulso para a existência, o homem não é mais que o que ele faz.
Se, com efeito, a existência precede a essência, não será nunca possível referir uma explicação a uma natureza dada e imutável; por outras, não há determinismo, o homem é liberdade, vocifera Sartre (1978). Portanto, não há mais desculpas ou justificações. O homem sartreano não tem escolha porque está condenado a existir para além de sua essência. Condenado porque não se criou a si próprio, e no entanto livre, porque uma vez lançado ao mundo é responsável por tudo quanto fizer.
Segundo Sartre (1999) o homem é condenado a ser livre porque a liberdade não é uma qualidade que o homem adquire. Ele é livre, faça o que fizer. Lançando-se no mundo, o homem define-se pouco a pouco, tenta uma definição que, de resto, fica sempre incompleta e aberta. Podemos sempre escolher a possibilidade, o modo ou a maneira de viver a nossa existência.
No sentido existencialista, ao afirmar a máxima de que “o homem está condenado a ser livre”, faz-se necessário que o homem deva assumir as próprias escolhas para ser responsável pela sua própria condição. Ele tem que tomar decisões relativamente ao itinerário de usa existência e, por isso, se angustia. E está sem amparo, sem âncoras para essa escolha, cada indivíduo é responsável pela sua existência, isto é, tem em suas mãos a vitória ou o fracasso de suas ações. Em Sartre, o indivíduo é livre para construir o seu projeto existencial de seu viver.

O homem é antes de mais nada um projeto que vive subjetivamente (...) nada existe anteriormente a este projeto; nada há no céu inteligível, e o homem será antes de mais o que tiver projetado ser (SARTRE, 1978, p. 217).

2. Gabriel Marcel
Caixa de texto:  
 Gabriel Marcel
Caixa de texto: Gabriel Marcel,  dramaturgo e filósofo francês, nasceu em Paris em 1889.  Juntamente com Karl Barth (1886-1968), Miguel de Unamuno (1864-1937), Franz Kafka (1883-1924), fazem parte da filosofia da existência. Marcel foi influenciado pelo pensamento de Kierkegaard. Sua obra mais conhecida: “O mistério do ser” (1951).





Segundo Japiassú; Marcondes (2006), Gabriel Marcel procurou traduzir direta e intensamente o sentido dramático da existência humana. Seu pensamento é ao mesmo tempo profundamente existencial e naturalmente religioso ou cristão. Daí se considerar seu existencialismo como um “socratismo cristão”, por oposição ao existencialismo ateu de Sartre. Concebe sua filosofia como uma exploração a ser feita e como um caminho a ser percorrido. Por isso, define o ser humano como um ser itinerante, como “um homem que caminha” (Homo viator), como um peregrino do absoluto. Para Nunes (1991) no método de Gabriel Marcel a reflexão é uma experiência filosófica. Modificando-se e complicando-se, no curso de sucessivas indagações, as questões a elucidar é que dão acesso ao domínio que se investiga.
É nesse percurso que o homem descobre o sentido de sua vida, seus semelhantes e Deus. Porque essa itinerância constitui o lugar mesmo da esperança do homem. Sua moral começa pela amizade do ser humano por si mesmo. O amor de si é inseparável do Amro dos outros e de Deus como Tu absoluto.
Para Reale; Antiseri (2005, p.245), a filosofia de Gabriel Marcel é permeada por três motivos fundamentais:
1)      a defesa da singularidade irrepetível do existente e do mistério do Ser contra as pretensões de um racionalismo que pretende reduzir a existência e toda a realidade à experiência conhecida através do método da verificação empírica;
2)      o reconhecimento da não-objetividade fundamental do sentimento corpóreo; com efeito, escreve Marcel no Jornal metafísico, “se não posso exercer minha atenção, a não ser por meio de meu corpo, disso resulta que ele é, de certa forma, impensável para mim, porque a atenção que se concentra sobre ele, em última análise, o pressupõe”;
3)      a doutrina do mistério ontológico, para a qual a existência torna-se autêntica na participação do Ser, participação que pode ser captada pela análise de alguns traços da experiência cristã, como, a “felicidade”, a “esperança” e o “amor”.
Ser e ter
A mentalidade capitalista não valoriza a pessoa pelo que ela é, mas por suas posses. Para Reale; Antiseri (2005) para que a pessoa redescubra a si mesma e, portanto, se torne disponível para o domínio do Ser, deve fazer uma reviravolta sobre si mesma e subverter a hierarquia que o mundo moderno e contemporâneo fixaram entre a categoria do ter e a do ser.  Segundo a metafísica do ter, valemos pelo que temos e não pelo que somos, enquanto o mundo e os outros são unicamente objetos de posse sempre mais vasta.
Segundo Marcel, não é estranha ao nascimento e ao desenvolvimento dessa atitude a mentalidade objetivante do racionalismo científico e técnico, para a qual “o próprio mundo tende [...] a aparecer por vezes como simples campo de exploração e às vezes como escravo adormecido”. Entretanto, enquanto aquele que possui tenta, por todos os meios, manter, conservar e aumentar a coisa possuída, esta, sujeita ao desgaste e às vicissitudes do tempo, pode escapar, tornando-se assim o centro do temores e das ansiedades de quem quer possuí-la. Sob o signo da categoria do ter, a realidade, a realidade deixa de ter vida, mistério e alegria criadora, transformando-se em voragem de objetos que absorve inexoravelmente quem quer possuí-los. O mundo da categoria do ter é “um mundo em frangalhos”, é o mundo da alienação e da preocupação, de que a objetividade científica seria a transcrição no plano lógico.
Vivemos num mundo de coisas, entregamos nossas almas, fazemos tudo, gastamos as nossas energias, empenhamos a nossa força e a nossa vitalidade em simplesmente em possuir coisas, ter e esquecemos-nos de ser.

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